quinta-feira, 4 de junho de 2020

O clima e a doença de Manchúria (1910) - Professor Jorge Villalobos


*Publicação autorizada pelo Autor:

Desde longo tempo o debate a respeito do papel dos elementos geográficos, na saúde das pessoas, tem desafiado tanto a ciência quanto a imaginação das pessoas.  Quanto a ciência, está já tentou demonstrar que as pessoas que habitavam os vales ou as montanhas apresentavam personalidades, fortemente, influenciadas pelos elementos naturais dessas paisagens.

 Isso não deu certo, pois a dimensão cultural tomou parte do debate, levando a uma crise, da qual nunca mais se recuperou o pensamento determinista. Vamos adiante. Quando o Dr. Andrew Charles, relatou na conferência de Mukden (1910), que havia contado as pulgas que encontrou em cada rato capturado, desde junho de 1909 até setembro de 1910, os colegas que ouviam sua apresentação, ficaram impressionados, com o rigor científico com o qual havia sido desenvolvido o estudo.

Ainda explicou a técnica, que consistiu em utilizar armadilhas de gaiola; assim, quando um rato era capturado, a armadilha era colocada dentro de um saco preto e levada ao laboratório, de modo que as pulgas não fugissem.  No laboratório, era retirada a armadilha do saco, e aos ratos com as pulgas aplicado clorofórmio, e logo após, realizada uma contagem cuidadosa destas. Isso foi feito em, aproximadamente, uns três mil ratos.

 Na sequência à explicação, ele apresentou seus resultados em um gráfico, através do qual mostrava o número médio de pulgas por rato, para cada mês.  A medida que falava do gráfico, comentou que já havia examinado muitos milhares de pulgas, mas que a única espécie observada, no caso, havia sido a Xenopsylla cheopis, a qual em razão da sua presença dominante nos ratos era conhecida como pulga do rato. Declarou, categoricamente, que durante as estações do outono de 1909 e 1910 as pulgas eram seis a oito vezes mais numerosas do que nos meses de inverno, primavera ou verão.  Assim, reconhecia uma certa sazonalidade do fenômeno, e que por essa razão, do aumento das pulgas em associação com o clima mais quente, a doença a ela associada, peste bubônica, também observava um incremento proporcional.

Nessa mesma linha de raciocínio, fez uso da palavra o Dr. Gino Galeotti, médico patologista, autor de um famoso tratado de Patologia Geral, e que alguns anos mais tarde publicara uns estudos a respeito dos Problemas Sanitários da I Guerra Mundial,  no qual afirmou que: “il vino è un alimento riparatore, una bevanda igienica e tonica, un eccitante del sistema nervoso», (o vinho é um alimento reparador, uma bebida higiênica e tônica, um excitador do sistema nervoso), sendo prescrito para tomá-lo em pequenas doses. 

O Dr. Galeotti, na oportunidade, mostrou diversos diagramas relacionados com a mortalidade da peste em Mumbai, entre os anos de 1897 e 1898, e ressaltou que as curvas de mortalidade mostravam que quando a temperatura caia a mortalidade aumentava, e quando a temperatura aumentava a mortalidade diminuía.  Assim, seus gráficos, comparados com a evolução da “Doença de Manchúria”, apresentavam similaridade, por tanto, em ambos os casos se podia identificar uma curva semelhante em relação ao clima. Veja-se que o Dr. George Ford Petrie, criticou essa questão relacionada com o clima e entendeu que o debate estava perdendo o rumo.

Mas, as evidencias apontavam que os surtos da peste pneumônica na Índia, haviam ocorrido em inverno e que no caso de Alexandria, a peste pneumônica era predominante no inverno, seguida pela peste bubônica no verão; por tanto, alguma relação havia entre clima e doença. 
Assim, se insistia que era muito importante obter evidências meteorológicas, como sugeriu o Dr. Reginald Farrar, bacteriologista britânico, com a finalidade de descobrir se havia alguma correlação entre os dados meteorológicos e o declínio da epidemia. Lembrando que na Índia, houve um número enorme de casos de peste bubônica, com uma pequena porcentagem do tipo pneumônico, mas não parecia haver nenhuma tendência da doença se espalhar a partir de focos de infecção pneumônica. Fato que podia indicar a relação com causas ou influências climáticas.

O Dr. Richard Pearson Strong, depois de ouvir atentamente e sem interromper as explicações dos colegas, disse que gostaria de opinar, e lembrou a epidemia de peste pneumônica em Caxemira, em 1903 - 1904, comentando que o efeito da temperatura sobre a epidemia da Doença de Manchúria, embora não diretamente, poderia sim estar exercendo uma ação, por exemplo, em clima muito frio, as pessoas naturalmente se amontoam em suas casas, e não iriam sair muito à rua. Portanto, haveria uma maior transmissão da doença.

Em razão disso, era válido pensar que, as pessoas, mesmo com a tendência no inverno de se aproximarem mais, ao perceberam o perigo da peste pneumônica, elas se afastariam dos casos, ou se isolaram, por si só daqueles que haviam desenvolvido a doença.  Após ouvir ao Dr. Strong, o Professor Danilo Zabolotny mostrou um gráfico, no qual se assinalava a mortalidade em vários locais da via ferrovia, e os dados da umidade relativa, temperatura e pressão barométrica, e afirmou que as conclusões da análise, eram que, sem sombra de dúvida, as medidas preventivas adotadas tiveram uma maior influência sobre a tendência da epidemia.

 Porém, a temperatura poderia ter algo a ver com o declínio da epidemia, naqueles lugares, onde nenhuma medida sanitária havia sido implementada, más, obviamente, as medidas sanitárias tiveram a influência mais importante, haja vista que, somente com elas as epidemias poderiam ser controladas e evitadas.

Fonte: Richard P. Strong et al. Report of the International plague conference held at Mukden. Manila: Bureua of Printing, 1912. Fotografia. Doença de Manchúria. Medidas preventivas em inverno. Documentos do Dr. Richard Pearson Strong, em repositório na Francis A. Countway Library of Medicine da Universidade de Harvard, e podem ser acessadas usando o mecanismo de busca VIA (Visual Information Access). “Doença de Manchúria” de 1910-1911.

 (*) Jorge Villalobos é professor em Maringá

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